terça-feira, 15 de abril de 2014




Fernando Liguori


E ele soube que o alimento era Brahman. Do alimento todos os seres nasceram, pelo alimento eles vivem e para o alimento eles retornarão.

Taittiriya-upaniṣad, III: 2


Alimento, anna, é a primeira palavra sânscrita para Brahman, o Absoluto. Tudo no universo é alimento. O Ser interior, ātman, é o devorador do alimento que é tudo, que a tudo permeia. Tudo aquilo que vemos é alimento para alma. Nosso desenvolvimento como alma depende de nossa capacidade de comer, digerir e assimilar o alimento que é a nossa vida. Alimento, anna, é a base da vida, prāṇa. Ele carrega a força da vida, sustentando-a no corpo.

O tipo de alimento que buscamos reflete nosso nível de desenvolvimento. A partir da natureza do alimento que uma pessoa escolhe seu nível de desenvolvimento é revelado. O Yoga e a Āyurveda enfatizam uma dieta estritamente vegetariana ou sattvíca, quer dizer, uma dieta que desenvolva sattva e suas qualidades superiores de paz, amor e consciência. O comer é nossa primeira interação com o meio ambiente. Se essa atividade não for baseada no amor e na compaixão, todas as outras atividades irão nos compelir ao sofrimento.

A Āyurveda propaga uma dieta correta como fundamento de todas as suas terapias. O alimento é a primeira e mais importante forma de medicamento. Sem uma alimentação apropriada nenhuma terapia de cura pode ser efetiva. A Āyurveda recomenta uma alimentação pura ou sattvíca porque sattva cria equilíbrio e harmonia, elimina fatores prejudiciais e auxilia na redução do agravamento em todos os doṣas.

A base de sattva é a atitude de ahiṃsā (não-violência). Uma dieta sattvíca é acima de tudo vegetariana, livre de produtos que envolvem matança ou qualquer tipo de violência ou dano contra animais. Uma dieta sattvíca advoga alimentos naturais que cresçam em harmonia com a natureza, em terras férteis, que amadureçam naturalmente, cozidos de maneira correta e com a atitude apropriada de amor. Tais alimentos são carregados de prāṇa e consciência.

Os yogīs são as pessoas mais estritas no mundo com relação à alimentação. Eles não apenas são vegetarianos, mas se esquivam de alimentos comercialmente preparados como frituras e fast food. Eles se abstêm de alimentos preparados a base de ovos e temperados a base de alho. Yogīs geralmente cozinham seu próprio alimento ou viajam com sua própria comida, pois conhecem a arte da culinária sattvíca. Se você convidar um verdadeiro yogī a sua casa para jantar, ele poderá lhe ensinar como cozinhar. Neste sentido, a primeira coisa que ele provavelmente fará será levá-lo a uma loja especializada para assegurar que somente alimentos corretos componham sua dispensa. Com tais alimentos, com certeza ele irá lhe preparar um maravilhoso banquete, um verdadeiro sacramento.

Contudo, uma dieta yogī tem um propósito diferente de uma dieta ayurvédica e ambas não podem simplesmente serem equiparadas. Isso reflete propósitos diferentes dessas duas disciplinas: o objetivo da Āyurveda é trazer saúde e equilíbrio ao corpo físico; o objetivo do Yoga é nos ajudar a transcender a consciência do corpo. Enquanto a Āyurveda trabalha para melhorar a saúde corporal, o Yoga nos auxilia ir além das limitações físicas. Por esta razão, as disciplinas yogīs mais tradicionais são ascéticas por natureza, exigindo uma dieta leve a base de jejuns, alimentos crus e métodos de desintoxicação, bem como a privação sensorial, prāṇāyāma e meditação. Todos esses fatores não apenas reduzem a consciência corporal, mas também agravam o vāta, que representa o componente aéreo ou não-físico de nossa natureza. A Āyurveda tradicional, por outro lado, promove uma dieta nutrituva a base de alimentos cozidos, nos protegendo dos elementos a fim de revigorar a força física e previnir o acúmulo dos doṣas, particularmente o vāta.

Alimentos crus ou cozidos

Hoje em dia existe muita confusão sobre o papel do alimento cru nas dietas do Yoga e da Āyurveda, bem como na alimentação vegetariana em geral. Algumas pessoas pensam que uma dieta vegetariana leva apenas em consideração o alimento cru. Vegetais cozidos não se transformam em carne! Uma dieta vegetariana inclui todos os pratos que não são à base de carne, até mesmo os cozidos. Muitos produtos alimentícios como arroz ou batatas devem ser cozidos para que possam ser digeridos apropriadamente.

A Āyurveda geralmente não recomenda uma dieta à base de alimentos crus para manutenção da saúde em longo prazo, mas somente para curtos períodos de desintoxicação. Isso porque o alimento cru é mais difícil de ser digerido e não promove uma boa nutrição como o alimento cozido. A Āyurveda recomenda dietas específicas para controlar os doṣas. Elas são à base de, principalmente, todos os grãos, feijões, brotos, raízes, vegetais, sementes e nozes, tendo o alimento cru como elemento secundário. Essas dietas podem ser chamadas de dieta equilibrada ou nutritiva.

Contudo, a visão ayurvédica de que o alimento cozido é melhor tem feito com que algumas pessoas pensem que o alimento cru é ruim sob uma perspectiva ayurvédica. Por conta da conexão que existe entre o Yoga e a Āyurveda, alguns indivíduos podem considerar que uma dieta à base de alimentos crus não é yogī. Contudo, se observarmos os textos tradicionais do Yoga encontraremos muita ênfase sobre uma dieta à base de alimentos crus. A dieta yogī é tradicionalmente conhecida como phala-mūla, i.e. uma dieta à base de frutas e raízes, incluindo grãos e lacticínios. Yogīs em retiro na natureza vivem apenas de alimentos selvagens como parte de seu regime espiritual e como meio de conexão com as forças da natureza.

Alimentos crus, nós devemos enfatizar, aumentam os elementos ar e éter – componentes vāta – no corpo e na mente. Alimentos cozidos são melhores para aumentar os elementos terra e água – componentes kapha – bem como o elemento fogo – o fator pitta. Isso torna os alimentos cozidos fáceis de serem digeridos e melhores para energizar o corpo. Entretanto, os alimentos crus são melhores para produzir sensibilidade psíquica do prāṇa e da mente.

Uma dieta yogī enfatiza o desenvolvimento dos elementos ar e éter, não apenas para desintoxicação, mas para o desenvolvimento das capacidades da mente, cuja natureza essencial é aérea. Por essa razão, é uma dieta à base de alimentos crus e jejuns. A redução do corpo permite que a mente se desenvolva e se expanda, diminuindo a consciência corporal e aumentando o desapego.

A dieta yogī não considera apenas o papel dos doṣas, principal fator observado em uma dieta ayurvédica, mas o papel do prāṇa. Alimentos crus são ricos em prāṇa, principal fonte de energia que os yogīs buscam desenvover para refinar as faculdades superiores da mente. Alimentos crus trazem força prânica não só para o corpo, mas para mente também. Ainda, os alimentos crus fazem parte da tradicional dieta yogī pois purificam as nāḍīs, o que ocorre pelo aumento do prāṇa. É dito que alguns yogīs são capazes de viver apenas do prāṇa que absorvem do ar. Outros podem viver apenas do consumo da água, pequenos frutos, leite ou ghee.

A estratégia yogī para se manter uma dieta à base de alimentos crus é aumentar o agni (o fogo digestivo) através de técnicas específicas para que o vāta não se agrave pelas práticas do Yoga. A execução correta do Yoga, principalmente do prāṇāyāma, aumenta o agni para que possamos ser capazes de digerir os alimentos crus. Com um elevado calor interno não somos tão dependentes do calor contido nos alimentos e nos relacionamos melhor com uma dieta refrescante, quer dizer, crua. O yogī com um poderoso fogo prânico digestivo pode manipular os alimentos crus, temperaturas extremas e outros desequilíbrios físicos que ordinariamente provocam doenças. A Āyurveda, contudo, está designada as pessoas ordinárias que precisam de proteção dessas vicissitudes externas e aspectos desagradáveis da vida.

Contudo, aqueles que são apenas yogīs parte do tempo e raramente são ascetas, podem não possuir um poder digestivo apropriado para manipular alimentos crus, particularmente por longos períodos de tempo. Isso é essencialmente verdade no caso das pessoas tipo vāta que usualmente possuem um poder digestivo fraco. Portanto, deve ser lembrado que uma dieta tradicionalmente yogī tem o potencial de agravar o vāta. Os tipos kapha com baixo fogo digestivo e metabolismo lento também podem se enfraquecer com excesso de alimento cru. Os tipos pitta notarão que o alimento cru é muito leve e não é capaz de prover por um longo período de tempo energia e vitalidade, particularmente se estiverem envolvidos em um trabalho físico exaustivo.

A maioria das pessoas podem se beneficiar de alimentos crus por um breve período de tempo para um processo de desintoxicação, particularmente na primavera, estação natural para desintoxicações. Entretanto, todos nós precisamos de um pouco de alimento cru em nossa refeição diária principal, cerca de quinze a vinte por cento, pois alimentos crus são ricos em vitaminas, minerais e enzimas. Bons alimentos crus a serem conjugados com jejuns são rabanetes, cenouras, tomates e vários tipos de brotos, salsa etc.

Em adição, aqueles que desejam não apenas purificar o corpo físico, mas o corpo sutil também, podem fazê-lo combinando uma dieta de alimentos crus com a prática de āsanas, prāṇāyāmas, mantras e meditação. Uma prática assim pode ser executada no período de um a três meses, dependendo da constituição individual. Qualquer pessoa que seriamente deseja se aprofundar no Yoga deveria considerar uma desintoxicação preliminar para conseguir uma imersão mais profunda. A maioria das pessoas no Ocidente estão sobrecarregadas de toxinas e os métodos yogīs e ayirvédicos de desintoxicação são os primeiros procedimentos a serem realizados na busca pela saúde.

Yogīs avançados naturalmente ingerem alimentos crus, grãos e lacticínios. Eles preferem viver de alimentos prânicos a qualquer alimento processado ou requentado. Observando a natureza como sua mãe, se esquivam de alimentos comercialmente preparados ou cultivados para o comércio. O crescimento espiritual provê grande sensibilidade aos alimentos. Portanto, ele requer alimentos ricos em prāṇa e amor como ingredientes principais.

Dieta sattvíca

Para empreender uma dieta sattvíca precisamos compreender os seis sabores. Doce é o sabor sattvívico principal, pois ele nutre, equilibra e é agradável a mente e os sentidos. Contudo, a Āyurveda somente considera como sabores doces aqueles que são naturais, e não açucares processados ou artificiais. Isso inclui os açucares, amidos, carboidratos e óleos encontrados em frutas, grãos, vegetais, sementes e nozes.

Os sabores picante, azedo e salgado são rajásicos porque contêm propriedades estimulantes. Enquanto eles são bons para melhorar a digestão e possuem muitas qualidades terapêuticas, potencialmente irritam o sistema nervoso. O sabor picante ou apimentado possui uma natureza quente e expansiva e podem fazer com que gastemos energia em excesso, o que provoca diminuição de prāṇa e ojas, aumentando tejas. Sal pode causar obstrução arterial e em outras vias por sua natureza mineral, da mesma maneira que o sal corroi encanamentos. O sabor azedo, como álcool, promove fermentação no corpo.

O sabor amargo e adstringente são tamásicos por seus efeitos redutores em longo prazo, o que, contudo, é útil para desintoxicação e perda de peso, mas isso tem efeitos colaterais. O sabor amargo, com propriedades frias e leves, tem um efeito desintoxicante que enfraquece o agni e agrava o vāta (causando nervosismo). O sabor adstringente, cuja natureza é a constrição, pode resultar na retenção de resíduos no corpo, o que agrava o vāta também.

Mesmo assim cada um dos seis sabores pode ser sattvívico, rajásico ou tamásico, dependendo da maneira como é usado. É uma questão de proporção. Precisamos de uma dieta equilibrada para os seis sabores. Ela consiste de uma dieta com sabor doce predominante, equilibrando picante, salgado e azedo, como condimentos, associando também os sabores adstringente e amargo para uma desintoxicação, se necessário.

Sabor
Elemento
Doṣa
Guṇa
Doce
terra e água
VP- K+
sattva
Salgado
água e fogo
V- KP+
rajas
Azedo
terra e fogo
V- KP+
rajas
Picante
fogo e ar
K- PV+
rajas
Amargo
ar e éter
PK- V+
tamas
Adstringente
terra e ar
PK- V+
tamas

Dieta sattvíca para os doṣas

A Āyurveda prescreve diferentes dietas para cada tipo de doṣa. Neste caso, três sabores diminuem e três sabores aumentam cada um dos doṣas da maneira descrita na tabela acima.

A dieta e a culinária ayurvédica tem como objetivo a manutenção da saúde física e para isso nem sempre utiliza alimentos sattvícos. Portanto, a alimentação segundo a Āyurveda leva em consideração a constituição e o desequilíbrio dos doṣas, utilizando uma combinação alimentar para manter o equilíbrio ou sanar o desequilíbrio do corpo. O Yoga, por outro lado, enfatiza uma dieta estritamente sattvíca, o que certamente inclui alimentos que podem desequilibrar os doṣas. Assim, para um ótimo regime alimentar, seria conveniente combinar uma dieta sattvíca com uma alimentação apropriada aos doṣas.

Uma dieta sattvíca é questão de disciplina alimentar e regulação das refeições. Devemos evitar alimentos pesados ou que produzem muco pela manhã e pela noite, pois nestes períodos o sistema é mais facilmente carregado e portanto mais fácil de ser obstruído. A refeição da manhã deve ser leve e estimulante. A principal refeição deve ser ao meio dia, seguida por um período de descanço ou relaxamento. Comer tarde da noite, exceto alimentos leves como frutas e leite, enfraquece o corpo, tornando a mente torpe.

Devemos nos lembrar dos desequilíbrios causados pela prática do Yoga. Como prāṇāyāma e meditação podem agravar o vāta, alimentos que diminuem o vāta devem ser considerados pelos praticantes. Lembre-se das informações sobre prāṇa, tejas e ojas no segundo módulo. Uma dieta que aumente o ojas é especialmente indicada aos praticantes de Yoga.

Dieta prânica

Uma dieta yogī não é somente sattvíca, mas também prânica, cheia de força vital necessária para energiazar a mente e o corpo sutil. Assim, diferentes alimentos são indicados para diferentes prāṇas.

Para os cinco prāṇas, os principais alimentos prânicos são vegetais frondosos e brotos que crescem rapidamente, principalmente no período da primavera, quando o prāṇa é abundante. Estes alimentos são estimulantes, refrescantes e purificantes. Uma dieta à base de alimentos crus, com forte predominância de clorofila promove o aumento de prāṇa no organismo, principalmente quando se utiliza em conjunto especiarias como gengibre, coentro e hortelã.

Alimentos que aumentam o apāna-vāyu são aqueles que crescem na terra como raízes de vegetais, batatas, cenouras e cogumelos. Estes alimentos promovem força, vitalidade e aumentam ojas, mas podem ser pesados. Como a alma ou jīva das plantas reside na terra, raízes contêm grande vitalidade. Essa categoria inclui raízes poderosas como ginseng, shatavari e tônicos para o sistema reprodutor, regido por apāna.

Alimentos que aumentam samāna são principalmente grãos que possuem um efeito equilibrante (quando bem assimilados), particularmente arroz. É por isso que a maioria dos grãos fazem parte de toda dieta. Lacticínius, alimentos pré-digeridos, também aumentam samāna, bem como mel e açucares crus. Estes alimentos nutrem e não são pesados, a menos que sejam ingeridos com excesso. São de fácil digestão.

Alimentos que aumentam vyāna são aqueles que se espalham pelo chão como abóboras, melões, malancias, tomates e feijões. Estes são fortificantes e estimulantes, auxiliando a energia se expandir. São usualmente consumidos com Grãos ou os alimentos de samāna.

Os alimentos de udāna são frutas e nozes que crescem em árvores. Estes alimentos contêm mais elemento éter e nutrem as camadas mais profundas da mente. Podem ser pegos por qualquer indivíduo e são muito saudáveis, leves e equilibrantes.


O Yoga da ênfase a dieta prânica, sattvíca. Essa dieta é composta por alimentos à base de frutas e nozes que nascem acima da terra, pois alimentos que nascem na terra, como tomates ou morangos, têm a tendência de desenvolver rajas. Alimentos que crescem e se desenvolvem abaixo da terra, como alho, cebola e cogumelos, têm a tendência de desenvolver tamas. Mas estes são apenas fatores secundários. Existem raízes e vegetais sattvívicos também.

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