Fernando Liguori
Texto extraído da
apostila do curso «Oficina de Meditação», edição 2011, ministrado pelo
Instituto Kaula.
A mālā é um cordão de pequenas
contas separadas umas das outras por um tipo especial de nó chamado brahma-granthi ou nó da criação. As
contas são delicadamente distribuídas ao longo de um forte filamento de linha e
são em número de 108, mas existem mālās
de 54, 27 e 11 contas para sādhanās
(práticas espirituais) específicas.
Cada mālā tem uma conta extra,
adjacente ao ilhó final. Ela é chamada de sumeru
(junção ou cume de conta) e serve como um ponto de referência para o praticante
saber quando terminou a rotação completa na mālā.
A mālā é parte essencial das
principais técnicas de japa-yoga. Ela
é um instrumento para se manter a
consciência.
Mālās são comumente feitas de sementes de tulsi, sândalo, rudrākṣa ou pequenos cristais. A mālā feita de tulsi é a
mais comumente usada para japa. Tulsi é uma planta sagrada e largamente
venerada que contém muitas propriedades curativas e auxilia no desenvolvimento
de faculdades psíquicas. Ela tem um forte efeito purificante sobre as emoções e
acalma a mente. Os devotos de Viṣṇu utilizam esta mālā pois tulsi é
considerada como uma encarnação de Lakṣmī, esposa de Viṣṇu. Mālās de sândalo são suavemente
perfumadas e possuem vibrações de proteção e também acalmam a mente. Elas
contêm propriedades refrescantes e são ótimas para pessoas que possuem
problemas na pele. Rudrākṣa é a
semente da fruta de uma árvore nativa consagrada a Śiva que só nasce em mata
fechada. A mālā de rudrākṣa é considerada a mais poderosa e
efetiva para a prática de japa e é
utilizada pelos devotos de Śiva. Rudrākṣa
influencia magneticamente a circulação sanguínea, fortalece o coração e é
recomendada as pessoas que sofrem de pressão alta. As mālās de cristal possuem propriedades psíquicas e são utilizadas
por aqueles que adoram Devī.
Mālās não são utilizadas apenas por adeptos
tântricos e yogīs. Os praticantes do Budismo Mahāyana também utilizam mālās de 108 contas em suas meditações.
Entretanto, suas mālās contém três
contas extras representando o refúgio em Buda, Dharma (deveres, código de convivência, caminho espiritual) e Sangha (ordem de monges budistas). Os
católicos romanos utilizam um rosário de 54 contas. Na Grécia e outros países dos
Bálcãs onde a Igreja Ortodoxa Grega é predominante, todos os homens carregam um
rosário onde quer que vão e circulam as contas o máximo que podem. Sem seus
rosários, eles se sentem nus. A razão pela qual eles circulam as contas do
rosário o tempo todo, em todas as atividades, é para manter o fluxo da consciência no que estiverem fazendo, mantendo a mente
focada na atividade.
O propósito da mālā
Muitas pessoas têm curiosidade sobre o porquê da mālā ser usada na prática de meditação com japa e se têm de usar uma e como manuseá-la. Antes vamos falar do
propósito da mālā. Por conta de sua
natureza, a mente não permanece estável por um longo período de tempo.
Portanto, faz-se necessário um mediador
ou uma base de auxílio pela qual
podemos saber se estamos conscientes ou não. Utilizamos a mālā como um mecanismo pelo qual podemos acordar daqueles momentos onde perdemos a consciência e nos
esquecemos daquilo que estamos fazendo. Também utilizamos a mālā para verificar o andamento da
prática e sua qualidade.
Inicia-se a prática de japa a
partir da conta sumeru e segue-se
girando a mālā ritmicamente, conta
por conta. A mālā desliza em um fluxo
contínuo até ser interrompida novamente pelo sumeru.
A partir de determinado estágio de japa,
quando a mente se torna calma e serena, é possível que os dedos fiquem inertes.
Eles ficam momentaneamente paralisados enquanto você permanece completamente
inconsciente do processo. Às vezes a mālā
pode cair no chão. Quando essas coisas ocorrerem, saiba que se distanciou do
objetivo de japa, quer dizer, você
falhou em manter o fluxo da consciência. Se não está com a mālā na mão enquanto pratica japa,
como saberá o que está experimentando. É
a continuidade de foco na mālā que irá demonstrar seu estado de consciência.
Se estiver focado na mālā e nos dedos
a cada conta, então estará consciente. Quando japa for executada corretamente e a concentração ocorrer, a mālā continuará a se movimentar quase
que automaticamente, mas de forma consciente.
A mālā pode ser algo que seu
intelecto não aceita, mas para que haja
sucesso na prática de japa, a mente necessita de uma ferramenta.
O fato da mālā ter 108 contas
precisa de uma explicação. Existem inúmeras teorias
nas escrituras sobre este ponto. Vamos ver alguma coisa. 1 representa a consciência suprema; 8 representa os oito aspectos da natureza, consistindo dos cinco
elementos fundamentais (terra, água, fogo, ar e éter), mais ahaṃkāra (princípio de egoidade), manas (mente) e buddhi (sentido de percepção intuitiva); 0 representa o cosmos, todo o campo da criação. De outra maneira: 0 é Śiva; 8 é Śakti e 1 é sua união
(yoga).
Alguns acadêmicos acreditam que 108 representa o número de crânios na
guirlanda que adorna Kālī, venerada como a Grande Mãe e a Senhora da Realização
yogī, mas por muitos é considerada a
deusa da destruição. É dito também que 108 é o número de encarnações do jīva (a alma ou consciência individual)
antes da realização espiritual
Existem explicações similares para os números 27, 54, 57, 1001 etc., todos
usados em mālās. Mas estes números
possuem profundos significados psíquicos. São números escolhidos que auxiliam a
experiência de estados de consciência auspiciosos enquanto se pratica japa. Eles foram recebidos pelos antigos
videntes (ṛṣīs) e são apropriados
para experiências psíquicas. A explicação destes números serve apenas aqueles
que procuram uma abordagem mais intelectual da prática.
Além das 108 contas da mālā,
existe ainda o sumeru, a conta extra
que representa o topo da passagem psíquica conhecida como suṣumnā-nāḍī. Por esta razão o sumeru
ou meru é às vezes chamado de biṅdu. As 108 contas representam os 108
centros, estações ou campos através dos quais sua consciência viaja até o biṅdu e retorna. Estes centros são cakras menores e eles representam o
progressivo despertar da mente. O biṅdu
é o limite desta expansão mental.
Como usar a mālā
Existe um método especial de segurar a mālā.
Ela deve ser manuseada com a mão direita, suportada péla ponta do polegar unida
ao dedo anular. O polegar não é utilizado para girar a mālā e os outros dedos (indicador e mindinho) não devem tocar na mālā. O dedo médio movimenta as contas.
Quando utilizar a mālā, não
cruze o biṅdu. Inicie a prática a
partir da conta imediatamente posterior ao biṅdu
e quando terminar o rotação total, finalize na conta imediatamente anterior ao biṅdu. Neste ponto, vire a mālā e continue a prática. Sempre gire a
mālā sobre ou na direção da palma da
mão.
Tradicionalmente, japa é
praticada enquanto se mantém a mão direita na frente do peito. Desta maneira o mantra pode ser entoado em sincronia com
as batidas do coração. Manter a mão na frente do peito intensifica o sentimento
de entrega e concentração no mantra.
A mão esquerda deverá estar sobre o colo em cin,
jñāna ou cinmaya-mudrā. A mão esquerda também pode segurar a mālā, evitando que ela oscile ou se
enrole, prejudicando a concentração na passagem das contas pelos dedos. Se
preferir, a mão direita pode ser colocada sobre o joelho direito. Neste caso a mālā descansa no chão.
Pode-se contar o número de rotações na mālā
mentalmente ou utilizando a mão esquerda como se segue: após uma rotação na mālā, coloque a ponta do polegar
esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo mindinho. Após a segunda
rotação, escorregue a ponta do polegar para a linha da segunda junta. Após a
terceira rotação, escorregue a ponta do polegar para última linha da junta do
dedo mindinho. Seguindo, após a quarta rotação, leve a ponta do polegar
esquerdo na linha da primeira junta na base do dedo anular esquerdo e assim por
diante. Desta maneira você contará doze rotações na mālā.
A mālā utilizada para prática de
japa não deve ser usada ao redor do
pescoço. Quando não estiver sendo utilizada, deve ser mantida em segredo,
guardada em um pequeno saquinho de pano ou envolta em um pano especialmente
consagrado para guardá-la. Isso evita qualquer mudança ou influência negativa
de vibrações sobre a mālā. Nunca empreste
sua mālā para outras pessoas. Seja
quem for à pessoa, ele nunca deve tocar ou ver a mālā com que executa suas práticas meditativas. Mālās utilizadas para decoração não são
apropriadas para uma prática séria de japa.
Uma mālā usada diariamente se
tornará, com o tempo, impregnada com vibrações positivas. Após alguns meses, no
momento em que tocar a mālā, irá se
tranqüilizar e terá quietude e estabilidade na mente.
Se você pratica japa-mālā muitas
vezes por dia, poderá ficar com os braços cansados se estiver com a mão na
frente do peito. Neste caso, você pode usar um suporte (eslinga) para o braço.
O uso da gomukhi
Se você executa longas práticas de japa
durante o dia, o uso da gomukhi é
recomendado. A palavra gomukhi
significa na forma da boca da vaca. É
um pequeno saquinho que se assemelha a boca de uma vaca. A mālā e a mão direita são colocadas dentro da gomukhi para que estejam longe da visão de outras pessoas. A gomukhi pode ser utilizada enquanto se
caminha ou a qualquer momento, mas é particularmente útil para aqueles que
estão engajados em anusthana-sādhanā
(prática de japa por um período fixo
prolongado). Na verdade, para estas pessoas, o uso da gomukhi é essencial.
A mālā muitas vezes pode não ser
aceita facilmente pelas pessoas ocidentais em um nível intelectual, mas sem que
estejam conscientes disso, elas têm aceitado a mālā intuitivamente. Já passou pela sua cabeça de onde vem essa moda de utilizar colares de pérola
ou outras pedras e adornos decorativos? Nas culturas arcaicas, contas (mālās), anéis e amuletos eram utilizados
para finalidades espirituais e desde aqueles tempos, as pessoas têm sido
atraídas por esses adornos. Nos dias de hoje, em nome da moda, homens e
mulheres utilizam esses adornos com finalidades puramente estéticas.
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