Fernando Liguori
Texto retirado da
apostila do Curso de Formação em Yoga, edição 2010, do Centro de Estudos
Védicos Ananda Chandra, módulo Yoga para Crianças, ministrado pelo Instituto Kaula, Juiz de Fora, Minas Gerais.
Educar
crianças a compreender o dharma
permite
a sociedade respirar e
viver
em paz.
Nós, professores de Yoga e
educadores, acreditamos que ensinar o dharma
através das aulas e práticas de Yoga para
crianças é uma benção sem limites. É uma etapa onde a tradição do Yoga pode ser
assimilada com mais facilidade. Com uma metodologia completamente voltada a
este período de assimilação, o professor introduz a moral e a ética yogī, o verdadeiro alicerce da prática, através
de brincadeiras que envolvem os āsana-s,
prāṇāyāma-s e meditações de forma
lúdica, transformando a aula em um universo mágico em que as crianças se sentem
confortáveis, abertas a novas experiências e, portanto, com uma capacidade de
assimilação muito mais efetiva.
É importante destacar que neste período é muito mais fácil para criança
compreender a grandeza espiritual do Yoga
e a responsabilidade de sua prática. O Yoga
dá ao praticante aquilo que o praticante dá ao Yoga. Quando existe a compreensão de que a prática do Yoga implica em um desenvolvimento
físico, emocional, mental e espiritual, os resultados se mostram com mais
eficiência.
Tradicionalmente, na Índia as crianças são introduzidas na prática do Yoga aos oito anos de idade através de
uma cerimônia espiritual denominada upaṇayavidyā
(cerimônia do fio). Trata-se de uma cerimônia védica que representa a passagem de uma etapa a outra da vida. As
crianças aprendem o sūrya namaskār
(saudação ao sol), o nāḍī śodhana prāṇāyāma e
uma meditação no gāyatrī mantra. O
fio sagrado simboliza o fim do primeiro ciclo da infância e a preparação para
vida adulta. As crianças são encaminhadas a ficarem sob a tutela de um guru (gurukulam) para estudarem a tradição e
dedicarem-se dia-a-dia ao Yoga. Em
outras tradições espirituais ocorre, nessa mesma época, cerimônias similares. No
Śaivismo da Caxemira as crianças também
recebem um fio e são instruídas nas primeiras práticas desta tradição, período
denominado Āṇavopāya ou a prática
externa da doutrina exposta no Śivasūtra.
Já na tradição Śākta, são as mães que
introduzem os filhos na prática do Yoga
e como parte fundamental do sādhanā,
elas recitam para eles, diariamente, o mantra
ṣuddhośi buddhośi nirajānośi saṁsāra māyā
pārivarjītośi, que significa ó meu
filho, você não é este corpo, você é o espírito; você é iluminado, você é o
puro ātman. Finalmente, no contexto da tradição yogī, as crianças são instruídas no estudo do Yogasūtra e na prática do Pātañjala
Yoga em sua forma integral, i.e. kriyāyoga.[1]
O Yoga é a arte e ciência do
viver humano e está relacionado com a evolução da mente e do corpo. Portanto, o
Yoga incorpora um sistema de
disciplinas que promove o desenvolvimento integrado de todos os aspectos do
indivíduo. Quando iniciamos a disciplina do Yoga,
usualmente começamos com o aspecto mais externo da personalidade, o corpo
físico. Através dos āsana-s, a coluna
vertebral e os músculos são mantidos em estado saudável e flexível. Massagens
sutis ocorrem no local de diferentes glândulas, trazendo equilíbrio a várias
anormalidades fisiológicas e hormonais.
Os prāṇāyāma-s são importantes não somente para suprir a necessidade
de oxigenação e fortalecer os pulmões, mas também porque estas técnicas têm um
efeito direto no cérebro e nas emoções. A estabilidade emocional adquirida
através do prāṇāyāma libera a energia
mental e criativa de uma maneira construtiva e a criança desenvolve mais
consciência de si e autocontrole.
O relaxamento através da abstração dos sentidos do meio externo ou pratyāhāra, reduz o stress
do dia-a-dia. Técnicas de pratyāhāra
como a yoganidrā, afetam todos os
aspectos do indivíduo, pois o relaxamento mental e físico se dá através da
abstração da consciência empírica e da concentração. O foco da atenção ou dhāraṇā, é o elemento fundamental desta técnica.
A concentração sustentada ou dhyāna
(meditação), é importante para paralizar a mente turbulenta, conduzindo-a de
maneira focada para acessar seu potencial criativo. Através deste processo, uma
equanimidade na vida diária pode ser experienciada e posteriormente o samādhi pode ser conquistado. Portanto,
a prática do Yoga cria um equilíbrio
total na personalidade do indivíduo.
As oito ferramentas de trabalho
ou membros do Pātañja Yoga, conhecidas como aṣṭāṅgayoga,
atuam em todas as áreas da vida – social, comportamental, ética, moral, física,
emocional, mental e espiritual –, que são com frequência ignoradas pela
educação convencional. A utilização
completa destas ferramentas de trabalho
desenvolve o equilíbrio, a plenitude e a criatividade das crianças. Ela oferece
uma melhor saúde psicológica para as crianças, força física e aptidão
emocional. As crianças tornam-se capazes de descobrir um espaço interior cheio
de paz e harmonia. Esta sensação de calma e equilíbrio se revelará, no futuro, um
componente vital de sua identidade.
Nesta apostila, nós procuramos descrever alguns apontamentos e instruções
necessárias para que você, novo professor de Yoga, possa se orientar com segurança ao desenvolver sua aula de Yoga para crianças. Procuramos falar
acerca de pontos básicos e essenciais. Muito do que aqui está escrito é um resumo de nosso Manual para Professores de Yoga e Manual de Yoga para Crianças.
Texto que sempre utilizamos em nossos cursos e acreditamos que ele poderá
suprir muitas dúvidas acerca da prática. Indicamos no futuro uma especialização
nesta área do Yoga que é tão rica e
promissora quanto às outras.
[1] Não confundir com o sistema de kriyāyoga de Paramahansa Yoganānda ou com
o sistema de kriyāyoga desenvolvido
por Swāmi Satyānanda Saraswati. O kriyāyoga
original foi o nome dado por Patañjali ao seu sistema conforme exposto no Yogasūtra.
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