sábado, 5 de julho de 2014



Fernando Liguori


Texto retirado da apostila do Curso de Formação em Yoga, edição 2010, do Centro de Estudos Védicos Ananda Chandra, módulo Yoga para Crianças, ministrado pelo Instituto Kaula, Juiz de Fora, Minas Gerais.


Educar crianças a compreender o dharma
permite a sociedade respirar e
viver em paz.


Nós, professores de Yoga e educadores, acreditamos que ensinar o dharma através das aulas e práticas de Yoga para crianças é uma benção sem limites. É uma etapa onde a tradição do Yoga pode ser assimilada com mais facilidade. Com uma metodologia completamente voltada a este período de assimilação, o professor introduz a moral e a ética yogī, o verdadeiro alicerce da prática, através de brincadeiras que envolvem os āsana-s, prāṇāyāma-s e meditações de forma lúdica, transformando a aula em um universo mágico em que as crianças se sentem confortáveis, abertas a novas experiências e, portanto, com uma capacidade de assimilação muito mais efetiva.

É importante destacar que neste período é muito mais fácil para criança compreender a grandeza espiritual do Yoga e a responsabilidade de sua prática. O Yoga dá ao praticante aquilo que o praticante dá ao Yoga. Quando existe a compreensão de que a prática do Yoga implica em um desenvolvimento físico, emocional, mental e espiritual, os resultados se mostram com mais eficiência.

Tradicionalmente, na Índia as crianças são introduzidas na prática do Yoga aos oito anos de idade através de uma cerimônia espiritual denominada upaṇayavidyā (cerimônia do fio). Trata-se de uma cerimônia védica que representa a passagem de uma etapa a outra da vida. As crianças aprendem o sūrya namaskār (saudação ao sol), o nāḍī śodhana prāṇāyāma e uma meditação no gāyatrī mantra. O fio sagrado simboliza o fim do primeiro ciclo da infância e a preparação para vida adulta. As crianças são encaminhadas a ficarem sob a tutela de um guru (gurukulam) para estudarem a tradição e dedicarem-se dia-a-dia ao Yoga. Em outras tradições espirituais ocorre, nessa mesma época, cerimônias similares. No Śaivismo da Caxemira as crianças também recebem um fio e são instruídas nas primeiras práticas desta tradição, período denominado Āṇavopāya ou a prática externa da doutrina exposta no Śivasūtra. Já na tradição Śākta, são as mães que introduzem os filhos na prática do Yoga e como parte fundamental do sādhanā, elas recitam para eles, diariamente, o mantra ṣuddhośi buddhośi nirajānośi saṁsāra māyā pārivarjītośi, que significa ó meu filho, você não é este corpo, você é o espírito; você é iluminado, você é o puro ātman. Finalmente, no contexto da tradição yogī, as crianças são instruídas no estudo do Yogasūtra e na prática do Pātañjala Yoga em sua forma integral, i.e. kriyāyoga.[1]

O Yoga é a arte e ciência do viver humano e está relacionado com a evolução da mente e do corpo. Portanto, o Yoga incorpora um sistema de disciplinas que promove o desenvolvimento integrado de todos os aspectos do indivíduo. Quando iniciamos a disciplina do Yoga, usualmente começamos com o aspecto mais externo da personalidade, o corpo físico. Através dos āsana-s, a coluna vertebral e os músculos são mantidos em estado saudável e flexível. Massagens sutis ocorrem no local de diferentes glândulas, trazendo equilíbrio a várias anormalidades fisiológicas e hormonais.

Os prāṇāyāma-s são importantes não somente para suprir a necessidade de oxigenação e fortalecer os pulmões, mas também porque estas técnicas têm um efeito direto no cérebro e nas emoções. A estabilidade emocional adquirida através do prāṇāyāma libera a energia mental e criativa de uma maneira construtiva e a criança desenvolve mais consciência de si e autocontrole.

O relaxamento através da abstração dos sentidos do meio externo ou pratyāhāra, reduz o stress do dia-a-dia. Técnicas de pratyāhāra como a yoganidrā, afetam todos os aspectos do indivíduo, pois o relaxamento mental e físico se dá através da abstração da consciência empírica e da concentração. O foco da atenção ou dhāraṇā, é o elemento fundamental desta técnica.

A concentração sustentada ou dhyāna (meditação), é importante para paralizar a mente turbulenta, conduzindo-a de maneira focada para acessar seu potencial criativo. Através deste processo, uma equanimidade na vida diária pode ser experienciada e posteriormente o samādhi pode ser conquistado. Portanto, a prática do Yoga cria um equilíbrio total na personalidade do indivíduo.

As oito ferramentas de trabalho ou membros do Pātañja Yoga, conhecidas como aṣṭāṅgayoga, atuam em todas as áreas da vida – social, comportamental, ética, moral, física, emocional, mental e espiritual –, que são com frequência ignoradas pela educação convencional. A utilização completa destas ferramentas de trabalho desenvolve o equilíbrio, a plenitude e a criatividade das crianças. Ela oferece uma melhor saúde psicológica para as crianças, força física e aptidão emocional. As crianças tornam-se capazes de descobrir um espaço interior cheio de paz e harmonia. Esta sensação de calma e equilíbrio se revelará, no futuro, um componente vital de sua identidade.

Nesta apostila, nós procuramos descrever alguns apontamentos e instruções necessárias para que você, novo professor de Yoga, possa se orientar com segurança ao desenvolver sua aula de Yoga para crianças. Procuramos falar acerca de pontos básicos e essenciais. Muito do que aqui está escrito é um resumo de nosso Manual para Professores de Yoga e Manual de Yoga para Crianças. Texto que sempre utilizamos em nossos cursos e acreditamos que ele poderá suprir muitas dúvidas acerca da prática. Indicamos no futuro uma especialização nesta área do Yoga que é tão rica e promissora quanto às outras.




[1] Não confundir com o sistema de kriyāyoga de Paramahansa Yoganānda ou com o sistema de kriyāyoga desenvolvido por Swāmi Satyānanda Saraswati. O kriyāyoga original foi o nome dado por Patañjali ao seu sistema conforme exposto no Yogasūtra.

0 comentários:

Postar um comentário